09 junho, 2011

Não é decisão de um voto só.


A regra constitucional informa que os ministros e juízes dos Tribunais Superiores e Regionais são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, dependendo do caso (Supremo Tribunal Federal – art. 101; Superior Tribunal de Justiça – art. 104; Tribunais Regionais Federais – art. 107; Tribunal Superior do Trabalho – art. 111-A; Tribunais Regionais do Trabalho – art. 115; Tribunal Superior Eleitoral – art. 119; Tribunais Regionais Eleitorais – art. 120 e Superior Tribunal Militar – art. 123).

Em abstrato, o sistema é, por conseguinte, estruturalmente coerente com a tradição presidencialista e democrática e incorpora uma responsabilidade alta e, provavelmente, desconhecida dos eleitores comuns do Presidente da República. Na prática, quando se vota e se elege um Presidente da República, também está se escolhendo, embora indiretamente, todos os ministros e juízes desembargadores que este irá nomear durante seu mandato. Mas, é de se duvidar que disso o eleitor comum, sequer tenha consciência.

Sem entrar em questões mais específicas, basta lembrar que tantas questões polêmicas que o Supremo Tribunal Federal tem protagonizado ao longo dos anos, e, atualmente, podendo citar a questão da Lei da Ficha Limpa, a não imputação de processos contra Daniel Dantas, o arquivamento de dezenas de processos contra políticos e ministros notadamente corruptos e ímprobos, sem falar da absurda libertação do assassino e terrorista internacional Cesare Battisti, é o resultado dessa escolha indireta que o brasileiro faz ao escolher o Presidente da República de forma apaixonada, mas inconsequênte.

Ao rejeitar o recurso impetrado pelo governo italiano contra a decisão do Presidente Lula de não extraditar o ex-ativista Cesare Battisti, tomada no último dia de seu governo, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou - em sessão tumultuada - um caso que começou como um problema político, evoluiu gerando tensões diplomáticas e culminou com interpretações polêmicas de conceitos jurídicos tradicionais. O julgamento foi marcado por acaloradas discussões entre os ministros Joaquim Barbosa e Luiz Fux e o relator Gilmar Mendes e terminou em bate-boca depois que este último afirmou que os colegas favoráveis à libertação de Battisti estavam ignorando a Constituição, reduzindo o papel do STF a "uma atividade lítero-poético-recreativa".

Lembre o leitor que o caso começou em 2008 quando o então ministro da Justiça, Tarso Genro, contrariando parecer da Procuradoria-Geral da República e decisão do Comitê Nacional para os Refugiados, concedeu a Battisti o status de refugiado político, evitando com isso sua extradição. Battisti fez parte de um grupo terrorista de esquerda, nos anos 70, fugiu para a França e, depois, para o Brasil. Julgado à revelia, foi condenado pela Justiça italiana à prisão perpétua por participação em quatro assassinatos. Ele negou a autoria dos crimes e disse que sofreu perseguição política.

Classificando a iniciativa de Genro como "grave e ofensiva", o Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália acusou o Brasil de não cumprir o tratado de extradição firmado com a Itália em 1989 e recorreu ao Supremo. Em vez de dar uma solução clara e objetiva ao caso, a Corte tomou uma decisão ambígua, autorizando a extradição, mas deixando a última palavra para o presidente da República.

Alegando que essa decisão era confusa, o governo italiano entrou com pedido de esclarecimento, perguntando ao STF se Lula teria liberdade total para dar a "última palavra". O então relator do processo, ministro Eros Grau, admitiu que os poderes de Lula não eram "discricionários" e que ele não poderia ignorar o tratado de extradição. Pressionado pelo ministro da Justiça, por um lado, e pelo governo da Itália, por outro, o presidente Lula deixou claro que concederia asilo a Battisti, mas adiou a decisão ao máximo e solicitou à Advocacia-Geral da União um parecer que fundamentasse sua decisão. Cumprindo a determinação, o órgão preparou um parecer político, com roupagem jurídica, dando a Lula as justificativas "técnicas" de que precisava para decidir pela permanência de Battisti no Brasil, com o status de imigrante. Isso levou a chancelaria italiana a entrar com o recurso que acaba de ser negado pelo Supremo, por 6 votos a 3. O julgamento encerrou o caso na Justiça brasileira, mas o imbróglio jurídico, político e diplomático vai continuar, pois a Itália já anunciou que levará o caso para a Corte Internacional de Justiça, em Haia.

A decisão do Supremo causou perplexidade por dois motivos. O primeiro é de caráter político. Os advogados de Battisti no Brasil alegaram que ele sofreria risco de "discriminação e perseguição política", caso fosse extraditado, o que é um absurdo. Seis ministros da Corte acolheram o argumento, esquecendo-se de que a Itália vive há mais de seis décadas em plena normalidade política e constitucional. O segundo motivo é de caráter jurídico. Os mesmos ministros alegaram que a extradição é "ato de soberania nacional e de política externa, conduzida pelo chefe do Executivo". Com isso, eles consagraram o desrespeito flagrante ao tratado de extradição que o Brasil firmou, soberanamente, com a Itália, há 22 anos.

Em vez de agir como Corte constitucional, como é seu papel, o Supremo infelizmente se deixou levar por pressões políticas. Elas foram tão fortes que um dos ministros que votaram a favor da extradição de Battisti, em 2009, mudou de opinião, no julgamento da quarta-feira. Não restam dúvidas que ao longo de sua história, o Supremo deu importantes contribuições para o prevalecimento do Estado de Direito e para a segurança jurídica, mas, infelizmente, a Corte não se inspirou nessas contribuições, no caso do julgamento de Cesare Battisti, dando vida a mais um capítulo na fragmentação do que resta de nossa República.

Contudo, essa vergonha recai, na causa e no efeito sobre cada um dos eleitores que contribuiram para isso e que, agora, querem desmembrar a sua responsabilidade. É uma reflexão que deve acompanhar o eleitor elucidado deste blog para as próximas eleições, mesmo as municipais.

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo.