08 agosto, 2017

Verdade e Certeza por Alexandre Araújo Costa



A verdade tem caráter objetivo, pois somente poder haver uma descrição correta do mundo, mesmo que o conhecimento dessa verdade caiba apenas a alguns poucos iluminados. Já a certeza é um estado subjetivo, pois, enquanto as verdades comumente aceitas são frutos da tradição, a certeza é fruto de uma apreciação pessoal. A certeza é uma experiência pessoal, assim como a fé. Mas, se ter fé é ter certeza sem ter motivos, a certeza que buscam os homens modernos é uma certeza objetiva, motivada, justificada por argumentos racionais. Ao perceberem que a certeza antiga era fundada na crença acerca da tradição e da autoridade, os modernos buscaram um novo fundamento para a certeza.
Mas onde encontrar a base dessa certeza objetiva, se a certeza é uma experiência subjetiva? Como converter a certeza em verdade? Os gregos não precisam responder a essa pergunta justamente porque eles não identificam certeza e verdade. A certeza, fruto da dialética, tinha a ver com a verossimilhança e não com a verdade, que se mostra ao logos a partir da contemplação. Os cristãos medievais e modernos buscaram uma certeza que não podia ser alcançada pela razão, valorizando mais a fé que a demonstração.
Já a postura cartesiana implicou uma nova estratégia de resposta a essa pergunta. Em um primeiro momento, a pergunta parece insolúvel, pois a admissão de que somente há certeza subjetiva conduz à idéia de que não há critério objetivo de verdade fora do próprio sujeito. Esse é o ponto central da recusa da tradição como fonte de verdade e de obrigatoriedade. Já que eu posso duvidar de tudo o que está fora de mim, somente o que está dentro de mim pode servir como base para uma certeza objetiva. Cogito ergo sum, ou seja, posso duvidar de tudo, menos de meu próprio pensamento e de minha própria subjetividade: essa é a certeza que pode me reconduzir à verdade.
Se Descartes e os modernos houvessem insistido nesse ponto com mais vigor, talvez tivessem chegados a formulações muito próximas das elaboradas no século XX. Entretanto, era impensável cogitar que a realidade fosse um fruto de nossa subjetividade. O desafio era reconstruir uma objetividade sobre a subjetividade, e logo tornou-se claro que a mentalidade moderna somente seria capaz de admitir um critério de verdade objetiva: a subjetividade universal. Provar que há certos fatos cuja verdade precisa ser admitida por todas as subjetividades, provar que há certas normas cuja validade precisa ser aceita por todos os sujeitos, isso significa fundamentar (ou seja, demonstrar de maneira objetiva) a verdade dessas afirmações e a validade dessas normas. Assim, a busca de critérios objetivos já não era mais a procura de um ponto de partida fixo no próprio mundo, mas de um ponto de contato entre todas as subjetividades.
A universalização da subjetividade é via moderna para garantir a objetividade do mundo, estando ela na base das principais concepções da modernidade. Essa é a base da estratégia contratualista que, formulada inicialmente por Hobbes, domina as teorias de legitimidade política moderna até os dias de hoje. E também é essa a base da estratégia dedutiva que orienta o pensamento lógico e matemático e também da estratégia empirista que, apesar de todas as críticas dos epistemólogos dos séculos XIX e XX, ainda domina o pensamento científico.
Todos esses elementos se vinculam à busca de uma verdade objetiva, fundada na evidência racional de certos fatos e argumentos. Esse é justamente o primeiro princípio cartesiano: “jamais aceitar alguma coisa como verdadeira que não soubesse ser evidentemente como tal”. As identificações da verdade com a razão, da razão com a certeza pessoal e da certeza com a evidência, elas podem ser tudo, menos evidentes e certas. Para os medievais, a verdade última estava na metanóia (uma compreensão da verdade para além da razão), que era talvez certa, mas não poderia ser evidente, já que essa era uma via aberta para poucos. Com a valorização moderna da evidência empírica, foi criada uma nova racionalidade, fundada em uma nova metafísica. Desde este momento até a desconstrução do conceito de evidência, feita por Hume e Kant no século XVIII, a história do pensamento moderno pode ser lida como a história do conhecimento que se considerava evidente.