Já vimos que fontes do direito é uma metáfora milenar usada para designar o problema da origem das normas jurídicas. Para explicar essas fontes do direito existem várias teorias. Passaremos agora a observar algumas das teorias metafísicas. Antes é necessário definir o que vem a ser “metafísica”.
Pode-se definir “metafísica”, entre outros critérios, como uma explicação exaustiva e holística da realidade, com perspectivas semelhantes à religião, só que com pretensões de racionalidade universal e rejeição de critérios de revelação. Essa é uma desvantagem da metafísica em relação à religião. A religião se baseia na fé em dogmas, aceitos como verdades indiscutíveis, enquanto os argumentos metafísicos buscam demonstrar sua verdade, que se apresenta como racionalmente cogente.
Historicamente, a metafísica atravessou um período de descrença, diante do progresso da ciência no século XIX, quando as “provas científicas” alcançaram grande relevo. O otimismo logo diminuiu, tanto pela verificação de que aquela concepção de razão era impotente para resolver muitos dos problemas que se colocavam quanto pelos insucessos políticos e catástrofes ocorridas. Quase todas as concepções metafísicas no período após o neokantismo encontram-se sob o signo do idealismo, num claro retorno a Hegel, filósofo de grande importância para bem compreender esse período.
Para Hegel, em sentido bem literal, a única realidade é a idéia, a qual constitui a própria unidade do ideal e do real, do finito e do infinito, da alma e do corpo, do sujeito e do objeto, do essencial e do contingente, assim como da natureza e do espírito e de todos os demais pólos aparentemente opostos. Toda sua teoria baseia-se na identidade entre real e racional para explicar a evolução do universo: identificado com o espírito, o ser só se pode desenvolver segundo as leis espirituais, essa a lógica de Hegel. O apelo da filosofia hegeliana está justamente na tese de que o estudo do espírito humano passa a ser o estudo da realidade mesma, do universo, lá onde lógica e metafísica se confundem. Como a lógica é uma ciência de conceitos, o desenvolvimento desses conceitos coincide com o desenvolvimento da própria realidade. Observe-se que a estratégia de trabalhar com conceitos e desenvolvê-los logicamente elimina, desde logo, muitos problemas que o exame direto do mundo real poderia suscitar.
O desenvolvimento não é apenas um método na obra de Hegel, ele mesmo é um conceito que inclui e conclui todo o sistema. O processo pelo qual tal desenvolvimento se realiza é sempre o mesmo: vai da tese à antítese e daí à síntese. Essa síntese, tendo resolvido a oposição, torna-se o ponto de partida de um novo desenvolvimento e assim por diante. Dessarte, o universo é uma obra organizada de forma simétrica, segundo os princípios internos que o constituirão: não poderia ter sido de outra forma senão essa que apresenta e que o ser humano, como parte integrante dela que é, pode perceber.
A parte mais especificamente jurídica da filosofia e Hegel é principalmente constituída pela antítese entre a “consciência individual” e a “vida coletiva”, ou entre
o espírito subjetivo e o espírito objetivo. O problema fundamental do direito e da política está na oposição entre indivíduo e sociedade, a qual, em seu fluxo, vai gerar a síntese conciliadora que ultrapassa a perspectiva individualista:
o espírito subjetivo, com sua consciência de liberdade, projeta-se como espírito objetivo para realizar essa mesma liberdade, em outros termos, dentro do direito.
É no espírito objetivo que o espírito subjetivo se consuma e se completa. O Estado assume o papel de conceito superior, pois constitui a melhor realidade, na qual qualquer conflito é resolvido.
Assim, ele deve ser onipotente, superior a cada indivíduo, uma entidade independente.
A fonte primária do direito está nesse espírito objetivo que o Estado personifica. Para ver o texto completo leia o capítulo segundo - As fontes primárias do direito: o debate europeu de 1850 a 1950 em A retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo), São Paulo: Saraiva, 2009, de João Maurício Adeodato. p.53-54.