Chegamos à conclusão desta série a respeito da história do estudo da retórica. Neste terceiro e último artigo veremos como as influências europeias se refletiram sobre o ensino em geral e sobre o estudo do Direito no Brasil e na criação de centros educacionais aqui.
Reflexos do estudo da retórica sobre o ensino brasileiro até sua fase pré-republicana.
Apesar do tipo de ensino que os jesuítas ofereciam e da resistência
contra a “modernidade científica” na Europa, foram eles que, com o
descobrimento e a colonização da terra Brasilis, vieram e disseminaram
a instrução entre os nativos e criaram colégios de letras na Bahia, Rio de
Janeiro, São Paulo e Pernambuco. Ali se lecionava a matemática elementar, a
gramática latina, a filosofia e a teologia da forma controlada e restrita já
mencionada. Antes do reinado de D. José I (1750 – 1777), a metrópole, Lisboa,
nunca se preocupou com o desenvolvimento intelectual da colônia americana.
Estes desejavam “conservar as povoações nas trevas da ignorância” para poder
obter delas “a incondicional submissão”. Além disso, o governo da metrópole
também impedia a introdução no território da colônia de “meios destinados ao
referido desenvolvimento, tanto assim que proibiu até a importação de livros, e
chegou ao ponto de mandar sequestrar e remeter para Portugal, pela Carta Régia
de 06 de junho de 1747, uma pequena tipografia que tinha sido estabelecida no
Rio de Janeiro”. [1]
Assim, quando os jesuítas foram expulsos não só de Portugal através
do discurso do interesse da libertação da ortodoxia religiosa e sufocante do
escolasticismo que se irradiava até nos assuntos seculares, [2]
eles o foram igualmente na colônia, mas com a finalidade de prejudicar essa
parca instrução, [3] que,
tornou o que era “ruim” na colônia, ainda pior. Postura contrária ao que
aconteceu com a colonização da América espanhola, observadas também as devidas
restrições e controle, cujos reis promoveram já no século XVI a instalação de
universidades em Lima (Peru) e México. Pombal empenhou-se na luta contra os
jesuítas pessoalmente. Os argumentos usados por ele em Roma, a quem dirigiu sua
retórica contra os jesuítas, foram dos mais variados e se fundamentaram
fortemente em problemas nas colônias. Alguns de natureza puramente temporal e
política, outros, de caráter espiritual, místico e supersticioso. Alegou
atritos deles com colonos no Maranhão do Brasil, a exploração de mão de obra
indígena de forma sangrenta, a prática de comércio ilegal e a participação e
patrocínio deles em várias revoltas. [4]
Usando da crendice popular, acusou os jesuítas por todos os males naturais e
materiais advindos a Portugal, o grande terremoto de Lisboa e até um ferimento
“inexplicável” em D. José. Para a manipulação dessas emoções (pathos) populares foram usados os mesmos
instrumentos religiosos de controle: Inquisição, prisões, masmorras e suplícios
públicos, [5]
agora orquestrados pelo Estado.
Os franciscanos passaram a suprir a lacuna deixada pela
expulsão jesuíta do território brasileiro. Seu ensino se limitava ao ensino de
línguas, filosofia e religião. Cursos jurídicos não existiam ainda. Quem
quisesse estudar Direito ainda precisava atravessar o Atlântico e buscar as
universidades ou de Coimbra ou da França e Itália. Era de Coimbra que o Direito
português e as fontes romanas se irradiavam para as terras brasileiras.
Logo, o Brasil não possuía uma cultura jurídica própria,
embora esse fosse o anseio dos intelectuais locais da época. Em São Paulo, no ano de 1776, os frades
franciscanos, incorporados ao convívio comunitário, criaram também uma escola
agregada ao seu convento. O ensino da teologia, da moral, da retórica e do
latim, suscitou a vinda de um número significativo de estudantes.
Posteriormente, ali surgiu a Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. [6] Antes
mesmo dos primeiros cursos jurídicos, também outros cursos foram criados como
fruto dessa vontade de estudar no Brasil. Em Minas, Manuel Inácio da Silva
Alvarenga (1749 — 1814), poeta, advogado, nomeado pelo vice-rei, Luís de
Vasconcelos e Sousa, professor régio de uma aula de retórica e poética que
fundou solenemente em 1782. Também sob seus auspícios restaurou, em 1786, com a
denominação agora de "Sociedade Literária", [7] a
sociedade científica, cujo objeto principal "era não esquecerem os seus
sócios as matérias que em outros países haviam aprendido, antes pelo contrário
adiantar os seus conhecimentos". Com a mudança do vice-rei, foi
encarcerado por dois anos, sendo posto em liberdade sem julgamento, confirmando
a observação de que mudanças políticas influenciavam diretamente o ensino e as
sociedades literárias de então, sem falar das arbitrariedades legais.
No ano de 1800 também foi inaugurado em Olinda, Pernambuco, um
desses cursos pelo bispo de Olinda. [8] O
Seminário de Olinda "tinha uma estrutura escolar propriamente dita, em que
as matérias apresentavam uma sequência lógica, os cursos tinham uma duração
determinada e os estudantes eram reunidos em classe e trabalhavam de acordo com
um plano de ensino previamente estabelecido". [9] Era
um seminário modelar onde se estudava latim, grego, francês, retórica, história
universal, filosofia, desenho, história eclesiástica, teologia dogmática e
moral, matemática, física, química, mineralogia e botânica. [10] Ali no
Convento de Nossa Senhora do Carmo, de Olinda o frei Caneca, [11]
em 1803, foi professor de retórica e geometria. Portanto, o inventário de
Caneca adicionava ainda as cadeiras de geografia e música. [12]
Resumindo as impressões do historiador Capistrano de Abreu, sem essa escola
“não surgiria a geração idealista de 1817”. [13]
No Rio de Janeiro também há registro da criação de um curso
de estudos literários e teológicos, em julho de 1776 e após a criação dos
cursos jurídicos, foi criado no Rio de Janeiro o Colégio de Pedro II, em 1838.
Não é muita pretensão afirmar que era equivalente ao Colégio das Artes de
Coimbra. Nele, as cadeiras eram preenchidas por concurso, inclusive as de
retórica e poética, e foram muitas vezes ocupadas por figuras eminentes da
cultura nacional. [14]
A ideia de estabelecer o ensino superior no Brasil já existia
por volta do ano de 1654, mas não de iniciativa portuguesa, pois foi o invasor
holandês quem manifestou o primeiro interesse em instalar uma Universidade no
Recife. Como estes foram expulsos, o projetou não foi levado adiante. Por sua
vez, em 1820, o desembargador e ouvidor-geral daquela comarca, Venâncio
Bernardino Uchoa, encaminhou ao rei João o pedido de fundação de uma
Universidade em Pernambuco. O mesmo fez o deputado pernambucano Francisco Muniz
Tavares que pleiteou tal feito junto às Cortes Constituintes de Lisboa entre
1821 e 1822. [15] Foram
necessários mais alguns anos até que a “realidade” dos cursos jurídicos se
concretizasse no Brasil.
[2] Para Pombal, os jesuítas constituíam-se num
obstáculo à condução da sua política de reformas. Subjugada a nobreza lusitana
com o Processo dos Távora e, setores do povo, com a repressão ao motim do Porto,
o próximo passo era uma perseguição ao clero. Em 1757 Pombal iniciou sua
campanha antijesuítica em Roma, acusando os padres da Companhia de praticarem
comércio ilegal no Brasil e de incitarem as populações contra o governo.
Averiguando a situação relatada pelo Ministro Português, a Santa Sé recebeu
informações, manipuladas por aquele, sobre a veracidade das acusações feitas à
Companhia de Jesus. Como resultado, os jesuítas foram suspensos de confessar e
pregar em Lisboa, e o informador, o Cardeal Saldanha, foi recompensado com a
cadeira patriarcal no ano seguinte (1758). O sentimento antijesuítico de Pombal
nunca o abandonou, levando-o mesmo a escrever acerca do que pensava daqueles
religiosos na sua Dedução Cronológica
(publicação assinada por José Seabra da Silva). Chegou mesmo a afirmar que
todos os males de Portugal se deviam aos jesuítas, ideia que foi acolhida na
Europa por outros adversários da Companhia. De fato, França, Espanha e Nápoles
imitaram Portugal, iniciando-se uma pressão contra os jesuítas tão grande na
Europa que o Papa Clemente XIV, no breve Dominus ac Redemptor, de 21 de
Julho de 1773, suprimiu a Companhia na Europa. Esta só veio a ser restaurada em
1814, a partir da Rússia, ainda que Portugal não consentisse na sua readmissão.
D’AZEVEDO, J. Lucio. O marques de pombal
e a sua época. 2. ed. Rio de Janeiro: Anuário do Brasil; Lisboa: Seara
Nova; Porto: Renascença Portuguesa, 1922,
p. 127 – 140.
[3] MEIRA, Silvio Romero de Lemos. Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do
Império. Notas introdutórias de
Afonso Arinos de Melo Franco, Gilberto Freyre e Djacir Menezes. Rio de Janeiro:
J. Olimpio; Brasília: INL, 1979, p. 52.
[4] Como a revolta dos Beckman no Maranhão em
1684, a questão dos Sete Povos das Missões no Sul do Brasil que culminou com a
Guerra Guaranítica (1753 – 1756). Cf. FRANCO, José Eduardo. O Mito dos Jesuítas. Em Portugal, no
Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX). Prefácio Bernard Vincent. v. I - Das origens
ao Marquês de Pombal. Lisboa: Gradiva, 2006, passim.
[5] É exemplo, o suplício público do velho padre
jesuíta Gabriel Malagrida, que em sua tentativa malograda de rebater os ataques
aos jesuítas, alegava que a causa do terremoto em Lisboa era a “ira divina”
fazendo com que Pombal, que, estrategicamente, tomou as exortações moralistas
do religioso como acusações, intensificasse seus ataques ao clero. Cf. FRANCO. Idem.
[6] CHACON, Vamireh. Formação das ciências sociais no Brasil. 2. ed. Brasília: Paralelo
15; Brasília: LGE Editora; São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2008, p.
169-170.
[7] Silva Alvarenga, nascido em Vila Rica em 1749
e falecido no Rio de Janeiro, em 1814, foi o mais moderno dos poetas do grupo
“Sociedade Literária”, o menos iscado dos vícios da época, o mais livre dos
preconceitos da escola, cujas alusões e ridículo não desconhecia, como se vê na
sua "Epístola a José Basílio". Tem, além disso, bom humor, espírito
e, em suma, revê melhor que os outros a emancipação produzida em certos
espíritos pela política antijesuítica do marquês de Pombal. Como era mestre de
retórica, evitou mais que os outros os recursos do arsenal clássico e
mitológico e quando cedeu à corrente, o fez com muito mais personalidade, senão
originalidade, mesmo com desembaraço e liberdade rara no tempo. Prova disso é
"Teseu e Ariana", uma das melhores amostras da poesia brasileira,
naquela época. VERÍSSIMO, José. História
da literatura brasileira. 1916. e-book Disponível em:
.
[8] O bispo era José Joaquim da Cunha Azeredo
Coutinho (1742 – 1821). PILETTI, Nelson, História da Educação no Brasil.
6. ed. São Paulo: Ática, 1996, p. 37.
[10] BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1927.
[11] Frei Joaquim do Amor Divino Rabello Caneca. Nasceu
na cidade do Recife em julho de 1779. Religioso carmelita, ordenado sacerdote
pelo Seminário de Olinda, dedicou-se ao magistério, período em que elaborou
alguns compêndios inclusive o de retórica, Tratado
da Eloquência. Considerado como representante típico do chamado
“liberalismo radical” das primeiras décadas do século XIX. Participou da
Confederação do Equador (1824) e elaborou a doutrina justificativa do
separatismo. Quando o movimento foi derrotado, ele foi condenado a morte, sendo
executado em janeiro de 1825. Cf. CANECA, Frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias. 1. ed.
Recife, 1875/76, 2 tomos (v. tomo I. Tratado da Eloquência, pp. 63 – 155); ou
versão mais recente em: CANECA, frei Joaquim do Amor Divino. Obras políticas e literárias de frei
Joaquim do Amor Divino Caneca. Org. Antonio Joaquim de Melo. Recife:
Assembléia Legislativa de Pernambuco, 1972.
[12] CANECA, Frei. Typhis, XXVL. apud VEIGA, Gláucio. História das idéias da faculdade de Direito
do Recife. v. 1. Recife: UFPE, 1980, p. 233.
[14] CARVALHO, José Murilo de. História
intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio
de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 133.
[15] SILVA,
Leonio José Alves da. Faculdade de Direito do Recife: breves
apontamentos aos 180 anos de sua história. p. 05 – 06, Laranja mecânica, São Paulo, 11 ago.
2007, p. 5.
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