A verdade tem caráter objetivo, pois somente
poder haver uma descrição correta do mundo, mesmo que o conhecimento dessa
verdade caiba apenas a alguns poucos iluminados. Já a certeza é um
estado subjetivo, pois, enquanto as verdades comumente aceitas são frutos da
tradição, a certeza é fruto de uma apreciação pessoal. A certeza é uma
experiência pessoal, assim como a fé. Mas, se ter fé é ter certeza sem ter
motivos, a certeza que buscam os homens modernos é uma certeza objetiva,
motivada, justificada por argumentos racionais. Ao perceberem que a certeza
antiga era fundada na crença acerca da tradição e da autoridade, os modernos
buscaram um novo fundamento para a certeza.
Mas onde encontrar a base dessa certeza objetiva,
se a certeza é uma experiência subjetiva? Como converter a certeza
em verdade? Os gregos não precisam responder a essa pergunta justamente porque
eles não identificam certeza e verdade. A certeza, fruto da dialética, tinha a
ver com a verossimilhança e não com a verdade, que se mostra ao logos a
partir da contemplação. Os cristãos medievais e modernos buscaram uma certeza
que não podia ser alcançada pela razão, valorizando mais a fé que a
demonstração.
Já a postura cartesiana implicou uma nova
estratégia de resposta a essa pergunta. Em um primeiro momento, a pergunta
parece insolúvel, pois a admissão de que somente há certeza subjetiva conduz à
idéia de que não há critério objetivo de verdade fora do próprio sujeito. Esse
é o ponto central da recusa da tradição como fonte de verdade e de
obrigatoriedade. Já que eu posso duvidar de tudo o que está fora de mim,
somente o que está dentro de mim pode servir como base para uma certeza
objetiva. Cogito ergo sum, ou seja, posso duvidar de tudo, menos de meu
próprio pensamento e de minha própria subjetividade: essa é a certeza que pode
me reconduzir à verdade.
Se Descartes e os modernos houvessem insistido
nesse ponto com mais vigor, talvez tivessem chegados a formulações muito
próximas das elaboradas no século XX. Entretanto, era impensável cogitar que a
realidade fosse um fruto de nossa subjetividade. O desafio era reconstruir uma
objetividade sobre a subjetividade, e logo tornou-se claro que a mentalidade
moderna somente seria capaz de admitir um critério de verdade objetiva: a subjetividade
universal. Provar que há certos fatos cuja verdade precisa ser admitida por
todas as subjetividades, provar que há certas normas cuja validade precisa ser
aceita por todos os sujeitos, isso significa fundamentar (ou seja, demonstrar
de maneira objetiva) a verdade dessas afirmações e a validade dessas normas.
Assim, a busca de critérios objetivos já não era mais a procura de um ponto de
partida fixo no próprio mundo, mas de um ponto de contato entre todas as
subjetividades.
A universalização da subjetividade é via moderna
para garantir a objetividade do mundo, estando ela na base das principais
concepções da modernidade. Essa é a base da estratégia contratualista que,
formulada inicialmente por Hobbes, domina as teorias de legitimidade política
moderna até os dias de hoje.
E também é essa a base da estratégia dedutiva que orienta o pensamento lógico e
matemático e também da estratégia empirista que, apesar de todas as críticas dos
epistemólogos dos séculos XIX e XX, ainda domina o pensamento científico.
Todos esses elementos se vinculam à busca de uma
verdade objetiva, fundada na evidência racional de certos fatos e
argumentos. Esse é justamente o primeiro princípio cartesiano: “jamais aceitar
alguma coisa como verdadeira que não soubesse ser evidentemente como tal”. As
identificações da verdade com a razão, da razão com a certeza pessoal e da
certeza com a evidência, elas podem ser tudo, menos evidentes e certas. Para os
medievais, a verdade última estava na metanóia (uma compreensão da verdade para
além da razão), que era talvez certa, mas não poderia ser evidente, já que essa
era uma via aberta para poucos. Com a valorização moderna da evidência
empírica, foi criada uma nova racionalidade, fundada em uma nova metafísica.
Desde este momento até a desconstrução do conceito de evidência, feita por Hume
e Kant no século XVIII, a história do pensamento moderno pode ser lida como a
história do conhecimento que se considerava evidente.
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