A reforma pombalina do ensino e do estudo da retórica
portuguesa como estratégia de neutralização de um instrumento de dominação
jesuíta: a educação.
As academias e as associações de intelectuais e letrados de
Portugal buscavam a renovação do pensamento, vez que as Universidades,
nomeadamente Coimbra, se fechavam ao pensamento moderno. O diplomata José da
Cunha Brochado (1651 – 1733) externou esse seu inconformismo quando disse: “Em
Portugal não há ciência, nem há política, nem há economia, nem há educação, nem
há nobreza e não há corte. As letras estão desterradas; nos conventos só se
sabe rezar o ofício divino”. [1] O
pensamento “moderno” que se buscava era, pelo menos, aquele no sentido proposto
por Verney, ou seja, um pensamento que tivesse, por exemplo, o Direito
desvinculado da Teologia e que este fosse baseado e consequente da ética. [2]
Essa postura fazia parte do processo de secularização de autores
jusracionalistas que separavam a ética da teologia e a faziam derivar da
filosofia. [3] Foi
nesse contexto que surgiu o marquês de Pombal, certamente voltado para novas
pretensões pessoais e políticas, mas com outra estratégia. Pombal iniciou uma
série de ações reformuladoras conhecidas como “despotismo esclarecido” [4]
instituindo um Novo Estado. [5] Essas
ações incluíram dois meses antes da expulsão dos membros da ordem jesuíta, [6] o
fechamento de todos os colégios jesuítas e a introdução das “aulas régias” custeadas
pela Coroa Portuguesa. Nesse mesmo ano de 1759 foi fechada a Universidade de
Évora, que como visto, foi fundada e era dirigida pelos jesuítas. “A censura
continuou a manter rigoroso controle sobre a publicação de livros e
periódicos”. [7] O que
antes estava nas mãos da Igreja e da Inquisição, passou para as mãos do Estado.
“Nenhuma obra poderia ser publicada ou vendida sem passar previamente pelo
crivo da Real Casa Censória, cujos membros eram indicados pelo governo”.[8]
A reforma liderada por Pombal, como visto, atingiu fortemente
o Colégio das Artes e a Universidade, que afetou tanto os estudos menores como
os maiores. Com base na obra do frade oratoriano Verney e seu polêmico método
intitulado Verdadeiro Método de Estudar,
de 1746, foi que se desenvolveram as diretrizes e os planos daquela reforma.
Incluindo em seu discurso recolocar Portugal numa posição digna do mundo
civilizado, Pombal introduziu novas matérias na Universidade, a matemática e a
filosofia (como faculdades), a física e a química. Nos estudos menores
predominou a reforma do método do ensino do latim e de uma “nova concepção” da
retórica.
Sem querer extinguir o estudo da retórica, Verney buscou,
antes, modificar-lhe o conteúdo, ampliando seu alcance e reforçando sua
importância. A retórica jesuítica se reduzia “à inteligência dos tropos e das
figuras de linguagem”, o que nos Estatutos era considerado “sua mínima parte ou
a que merece bem pouca consideração”. Na verdade, os portugueses praticavam um
só aspecto da retórica barroca. [9]
Assim, nas cartas cinco e seis do Verdadeiro
Método de Estudar [10]
dedicadas à retórica, ele fez uma forte crítica ao mau gosto da oratória portuguesa,
ao excesso de ornamentos estilísticos, à afetação e ao abuso de tropos de
linguagem usando uma abundância de exemplos tirados de sermões, discursos e
outros tipos de escrita, para demonstrar o vazio e o ridículo dos oradores e
autores que na busca da simpatia do auditório, mal ultrapassavam o mau delectare
da retórica barroca. Ele dá também um exemplo do mau uso do logos ao ridicularizar o excesso de
citações de frases e autores, as citações fora de propósito, as repetições
inúteis, a exibição fútil de erudição, os títulos estrambóticos e obscuros
atribuídos a autoridades e até mesmo a imperícia na elocução. Assim, era
necessário que a retórica fosse colocada, segundo seu entendimento,
adequadamente de volta ao seu devido lugar. Na verdade, tropos e figuras de
linguagem são os andaimes do edifício dos discursos e, sem eles, é impossível
construir, mas não devem aparecer depois de pronta a obra. [11]
Assim, o problema não estava na retórica, mas na ignorância
do que fosse a retórica. Os portugueses,
e toda uma tradição que já existia e se projetou na contemporaneidade,
ignoravam o que ela fosse; seja por não a estudarem, seja por a estudarem em
manuais limitados e considerados péssimos, como os jesuíticos. Quem não a
estudava, nada dela sabia; quem a estudava, sabia menos ainda. No Alvará régio
de 1759, bem como seu anexo, que seguia o mesmo espírito de Verney, não foram
poucos os elogios à retórica. O parágrafo 16 do Alvará real, com o subtítulo Dos
Professores da Retórica, iniciou afirmando que “o estudo da Retórica, sendo
tão necessário em todas as ciências”, e, mandou que fossem providenciadas as Instruções. Nelas, a retórica passou dos
tropos e figuras, para outro meio retórico, a persuasão.
Não há estudo mais útil que o da retórica
e da eloquência, muito diferente do estudo da gramática [...]. A retórica,
ensina a falar bem, supondo já a ciência das palavras, dos termos e das frases;
ordena os pensamentos, a sua distribuição e ornato. E, com isto, ensina todos
os meios e artifícios para persuadir os ânimos e atrair as vontades. [12]
A retórica deveria ser complementada pela poética. Porém, nem
tudo o que foi determinado no Alvará da reforma pombalina veio a existir na
prática. O estudo do hebraico ali também instituído parece nunca ter sido
implantado. Na colônia foi pequeno o número de aulas régias criadas a expensas
do Estado. A educação elementar sempre teve a iniciativa de alguns poucos
indivíduos ou de religiosos. A intenção centralizadora e dominadora da
Metrópole sempre teve motivações, nem sempre tão ocultas.
[1] SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da
biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência do Brasil. São
Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 87 apud
GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São
Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60.
[3] SILVA, Antonio Delgado da. Collecção da
Legislação Portugueza. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p. 89.
[4] Cf. GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 60-61.
[5] “Este regime subordinou os organismos
políticos e sociais ao poder central; enquadrou a nobreza eliminando os
privilégios de nascimento; nobilitou os agentes da indústria; neutralizou os
conflitos de classe; extinguiu a Confraria
do Espírito Santo da Pedreira ou Mesa
dos Homens de Negócio (1755), criando a Junta
do Comércio (1759), e a Aula do Comércio
(1759), instituiu a política dos diretórios visando a subtrair os indígenas do
controle eclesial (1757), expulsou os jesuítas (1759); vinculou a Igreja ao
Estado, tornando-a independente de Roma (1760); criou o Colégio dos Nobres (fundado em 1761 e aberto em 1766); aboliu a diferença
entre cristãos velhos e novos (1768); criou a Real Mesa Censória (1768); secularizou a Inquisição, tornando-a um
instrumento do Estado (1769); e decretou a reforma dos estudos menores (1759) e
maiores (1772)”. POMBAL. Observações
secretíssimas do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, na
ocasião da inauguração da estátua equestre no dia 6 de junho de 1775 e
entregues por ele mesmo, oito dias depois, ao senhor rei d. José, o 1°. apud SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil.
2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores Associados, 2008, p. 81-82.
[6] O alvará de 28 de junho de 1759 fechou os
colégios jesuítas e instituiu as aulas régias; enquanto que a Lei de 3 de
setembro de 1759 expulsou os religiosos da Companhia de Jesus. SAVIANI,
Dermeval. História das ideias
pedagógicas no Brasil. 2. ed. rev. e ampl. Campinas, SP: Autores
Associados, 2008, p. 81-82.
[7] GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
[8] GOMES, Laurentino. 1808. 2. ed. São Paulo: Ed. Planeta do Brasil, 2007, p. 61.
[9] A tríade da retórica barroca era constituída
do ensinar, do deleitar e do mover (docere, delectare, movere). O
barroco português enfatizava o delectare, enquanto que as
orientações de Verney eram para que a ênfase residisse no movere. CARVALHO,
José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de
leitura. Topoi. Revista de História,
v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132.
[10] O Verdadeiro Método de Estudar, para ser
útil à República e à Igreja: proporcionado ao estilo, e necessidade de Portugal
é uma obra de autoria de Luís António Verney, cuja primeira edição veio à luz
em Valença, em 1746. É a obra mais conhecida deste que é considerado o mais
ativo estrangeirado português, reputada como um autêntico manifesto da
modernidade do pensamento à luz das ideias iluministas. Em dois volumes, após a
sua primeira edição em 1746 voltou a ser reeditada em 1747. A autoria, à época,
foi atribuída a um anônimo religioso Barbadinho da Congregação de Itália,
pseudônimo de Verney, que preferiu ocultar o seu nome diante da censura da
época. A obra constitui-se por
dezesseis cartas que o autor Barbadinho escreve a um certo doutor da Universidade
de Coimbra. São elas: I -
Língua Portuguesa; II - Gramática Latina; III – Latinidade; IV - Grego e
Hebraico; V e VI – Retórica e Filosofia; VII – Poesia; VIII – Lógica; IX –
Metafísica; X – Física; XI - Ética; XII – Medicina; XIII - Direito Civil; XIV –
Teologia; XV - Direito Canónico; XVI - Regulamentação geral dos estudos. O
texto completo do Método está
disponível no sitio eletrônico: . TOBIAS, José
Antônio. Introdução. História das Ideias
no Brasil. Estudo de problemas brasileiros. São Paulo: EPU, 1987, p. 95.
[11] CARVALHO, José Murilo de. História
intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi. Revista de História, v. 1. n. 1. p. 123-152, jan./dez. Rio
de Janeiro: UFRJ, 2000, p. 132-133.
[12] Este trecho das Instruções pode ser também encontrado na citação de ANDRADE,
Antonio Alberto Banha de. A reforma
pombalina dos estudos secundários (1759-1771). v. 2. Coimbra: Por Ordem da
Universidade, 1981, p. 92.
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