19 setembro, 2011

Entendendo as fontes primárias do direito (II).

O tipo de concepção que vimos anteriormente (a sociologia católica) apresenta algumas falhas manifestas de caráter histórico e lógico. Em primeiro lugar, as regras impostas mediante uma concepção religiosa e moral do universo não deixam de ter uma base histórica, incluindo aqui o exemplo apresentado a respeito do vínculo matrimonial. Não há que separa entre explicações históricas e explicações morais, uma vez que o fato de fundo moral é, como todo fato, histórico.
Outro problema é que, uma vez admitido que a vontade de Deus se impõe por si mesma, por meio da fé, nada mais há para ser feito ou discutido. Por isso, afastam-se as objeções, a etnologia, a sociologia, a história. O que existe é a necessidade de chegar a conclusões ortodoxas, de acordo com os dogmas prefixados, o que caracterizaria uma falsa busca, posto que já se conhece aonde se quer chegar.
Por outro lado, mesmo abstraindo da civilização humana os demais povos e procedendo-se a uma analise exclusivamente centrada na civilização ocidental, a doutrina cristã não lhe parece constituir o fundamento axiológico na modernidade. Os povos não parecem guiados pelos princípios essenciais do catolicismo cristão, os quais são francamente rejeitados, o que aparece na lei da mesma forma que na opinião pública: o aborto, a guerra e o divórcio, fatos diários na civilização ocidental, são exemplos disso, mostrando que outras perspectivas de vida conseguem uma adesão tão forte quanto a cristã, mostrando a falta de evidências objetivas na tese de superioridade do cristianismo.
Invocando uma “razão esclarecida” para a fé, os teólogos caem num ciclo vicioso, já que a razão é garantida pela fé e esta pela luz das forças transcendentes. Mesmo essa razão esclarecida cristã é vacilante, bastando para isso observarem-se as profundas variações das concepções da própria Igreja ao longo da história, sobre pontos essenciais como a separação dos poderes secular e temporal (condenada por Pio X e aprovada por Leão XIII, por exemplo) e o casamento. Tal disparidade histórica comprova a variação de conteúdo. Na realidade, a razão cristã não existe como tal, seu conceito e conteúdo dependem do meio ambiente e ensejam grandes modificações na interpretação dos fenômenos.
Num próximo post continuaremos com as falhas de ordem lógica destas concepções religiosas quanto às fontes do direito.

Para o texto na íntegra ver o capítulo segundo - As fontes primárias do direito: o debate europeu de 1850 a 1950 em A retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo), São Paulo: Saraiva, 2009, de João Maurício Adeodato. p.50-52.

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