25 setembro, 2011

Entendendo as fontes primárias do direito (III).

Prosseguindo na análise da sociologia católica para as fontes primárias do direito para depois confrontá-la com as teorias da instituição, encontramos duas falhas de ordem lógica: a razão é considerada insuficiente para resolver as dificuldades da vida social, necessitando da fé e da revelação em sua ajuda. Paradoxalmente, porém, a razão é considerada capaz de convencer os incrédulos, pois a argumentação racional cristã seria irresistível às pessoas esclarecidas, inclusive àquelas desprovidas de fé.
Depois, os princípios cristãos, entre os quais o repúdio à violência, são considerados como os meios mais eficazes para o aperfeiçoamento do ser humano. Mas Ripert, por exemplo, cai em outro paradoxo ao propor o constrangimento dos não-conformistas pela força, meio sempre utilizado em larga escala pela Igreja e outras instituições fundamentalistas.
Apesar de em regra hostil à Sociologia, a doutrina católica foi a ela conjugada por meio da teoria da instituição, tal como é apresentada por Jean Delos e Georges Rénard. Afastando-se de seu precursor Maurice Hauriou, o qual se atém mais ao direito positivo, partindo das instituições jurídicas, mas permanecendo sociólogo, aqueles autores baseiam-se na sociologia com o fito de ultrapassá-la, numa tentativa de atingir o mundo dos valores, fortalecendo o conceito de institucionalismo. Houriou define a instituição a partir do conceito de idéia, entendida como um pólo de agregação para o qual não há explicações de origem ou natureza, pois a significação da instituição não ultrapassa sua existência. A existência da idéia é dupla: objetiva, quando considerada “em si mesma”, como fato social, e subjetiva, quando captada pelo espírito humano. As idéias objetivas seriam produtos do ambiente social, funcionando o indivíduo como elemento de percepção e captação das mesmas.
Sob o ponto de vista de Hauriou, poderia ser feita uma síntese entre a sociologia e o tomismo, o que ele tenta por meio dos conceitos de idéia dominante, como pólo da instituição, de natureza sociológico-positiva, e de bem comum, de essência metafísica e sobrenatural. Isso permite absorver a teoria da instituição no tomismo. Para Tomás de Aquino, o bem comum é o fim da sociedade, não intervindo sobre a nação apenas para formar o Estado, mas também influenciando sobre as associações para lhes dar forma própria. O bem comum constitui a mais alta idéia que pode ser percebida por um grupo, a idéia da obra que deve ser cumprida. Ora, a idéia de uma obra comum, desde que endereçada a todos os participantes da empresa, passa a ser o próprio bem comum para esses participantes. como o bem é comum, a idéia é superior ao indivíduo, transcendente; sendo transcendente e superior ela é o bem que vem de Deus. Advinda de Deus, a idéia é um bem necessário que se impõe a toda a sociedade. Daí, o direito que realiza o conteúdo do bem comum não pode ser outra coisa senão um direito objetivo e, consequentemente, um direito superior aos indivíduos.
Toda essa argumentação repousa sobre um jogo de anfibologias: os institucionalistas dão sentidos metafísicos a idéias e expressões que os sociólogos entendem de modo empírico. Isso porque, de um ponto de vista sociológico, o bem comum se confunde com a idéia diretora da associação, formadora da instituição. Mas isso não tirna o bem comum um valor absoluto, pois há um bem comum fundamentalista, um marxista, um liberal e assim por diante.
Mesmo em sua vertente sociológica, a tentativa de fundamentar objetivamente e validade da regra de direito na religião tem pontos obscuros. As regras jurídicas para realizar o bem comum têm uma função técnica, mediadora, pois é seu objetivo, o valor que elas realizam, que constitui seu fundamento e razão de ser. Além disso, a tentativa de conciliação não se sustenta por ir de encontro às próprias idéias católicas que pretende apoiar, pois a Igreja tem o ambiente social empírico em segundo plano, uma vez que está destinada a ajudar o homem na busca de sua perfeição individual para salvação da alma.
Num próximo post veremos algumas filosofias metafísicas do direito.

Para ver o texto completo leia o capítulo segundo - As fontes primárias do direito: o debate europeu cerca de 1850 a 1950 do livro A retórica constitucional (sobre tolerância, direitos humanos e outros fundamentos éticos do direito positivo), São Paulo: Saraiva, 2009, de João Maurício Adeodato. p.52-53.

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